Sobre o casamento...
A série “Sobre o Casamento...” não poderia deixar de existir no meu trabalho, já que é uma grande questão dentro dos relacionamentos e também para o universo feminino, dois assuntos do meu maior interesse artístico. A minha busca, através da arte, é estabelecer uma comunicação profunda e afetiva entre o ser humano e suas histórias de amor e dor, suas memórias, sonhos, descobertas, os encontros e desencontros... convidar o outro para um olhar reflexivo sobre a poesia que existe nas vidas possíveis e imaginárias...
Desde pequena sempre fui fascinada pelo poder simbólico do vestido de noiva. Colocava um cortinado antigo de tule branco do berço do meu irmão na cabeça, pedia para minha avó colocar um disco, que tinha a música Ave Maria de Gounod terminando com a marcha nupcial, e dava várias voltas pela casa arrastando aquele tecido pelo chão até o momento que chegava no “altar” e, olhando para um padre imaginário que me perguntava se eu deseja casar com algum menino que eu gostava na época, o meu maior prazer era dizer: não!!! E saía correndo dando gargalhadas...
Esse é um trabalho que começou há muitos anos, com uma das minhas primeiras pinturas “Na Corda Bamba”, que representa a difícil busca pelo equilíbrio entre o casal para conseguir atravessar a corda bamba do casamento, pelo picadeiro da vida, sob o olhar atento da plateia que nos cerca.
Logo depois, veio “Na Roda Gigante”, representando os altos e baixos dos relacionamentos amorosos, o movimento da roda da vida, que gira... e a cada momento, olhamos para diferentes ângulos de uma "mesma paisagem", assim como acontece nos casamentos... Ao entardecer, quando o sol já espalha seu brilho dourado pelo mar no horizonte, ainda há luz, mas por um breve momento, antes que a noite chegue cobrindo de ilusões aquilo que já não conseguimos mais enxergar com tanta clareza... o que sugere as expectativas um tanto idílicas dos inícios... Há romance e poesia no ar e nas cores. O fato de haver muitas pessoas em baixo, mas apenas o casal na Roda Gigante vazia, enfatiza o quanto esse é um momento que pertence apenas aqueles dois que resolvem se aventurar, compartilhando o assento, nas voltas que a vida dá...
Depois, surgiu “O Vestido”, esquecido dentro de um velho armário, junto com algumas peças abandonadas, e os retratos de 2 homens, que muito provavelmente ela amou, e na dúvida, acabou não se casando com nenhum dos dois... Essa obra traz para a tela o tecido, no caso, o tule na modelagem do vestido, que salta de dentro da pintura do armário. E ao mesmo tempo que emolduro o armário com a madeira de demolição, ele parece continuar na madeira de fora, expandindo a obra...
“Casar ou comprar uma bicicleta?” também segue essa mesma linha da dúvida... e “Casamento até na porta da igreja se desmancha...” representa uma cena da peça Vestido de Noiva , de Nélson Rodrigues.
Já “Am I Blue?” representa uma mulher com questionamentos comuns ao universo feminino, suas frustrações em relação aos seus sonhos românticos, e ao mesmo tempo, um forte desejo de se transformar e se libertar daquilo que foi criada para desejar, das expectativas que quase nunca são reais... e descobrir seus próprios desejos, impor seus limites e fazer sua revolução pessoal. O desenho da mulher é feito em papel vegetal por sua transparência, que faz com que, de certo modo, ela se misture com o cenário, o que simboliza sua sensação de não ser enxergada da forma como gostaria, e também a capacidade que temos de nos adaptarmos as circunstâncias...
Essas são algumas das obras dessa série, e não acho que tenha terminado ainda...
Tatti Simões
Sobre a artista
Tatti Simões é artista plástica, estilista, figurinista, ilustradora e escritora. Desenvolve um trabalho de criação bastante autoral, romântico e lúdico, com fortes referências ao Teatro, Cinema e Literatura. Através de tecidos, tintas, telas, papéis e bordados, expressa com sensibilidade e verdade questões ligadas ao universo feminino e aos relacionamentos amorosos. Em suas obras, gosta de misturar técnicas que variam entre óleo s/tela, acrílica s/tela, aquarelas, guaches, colagens, fotografias, e bordados sobre papéis e tecidos; arte digital, além de esculturas, que ela faz na argila, e depois passa para outros materiais, como bronze, e resinas.