Inquietações no isolamento
Estudando História da Arte em um grupo lemos, vimos e discutimos sobre Dadaísmo.
O mundo entrando na primeira guerra e na Suíça, país neutro, aqueles que de longe lutavam para pontuar a insanidade da guerra, se reuniram no” Cabaré Voltaire” criando e transgredindo por um mundo melhor.
Esta necessidade de expressar o mundo sem que a estética e sim o agora fosse a principal preocupação mexeu comigo .
Até então, queria que minha obra fosse tão agradável como uma confortável poltrona (Matisse puro na intenção) os dadaístas queriam subverter a ordem. Mudar o lugar da exposição. Contar outra historia aceitando como iguais todos os personagens e lugares. Como alguém que, aleatoriamente, joga papel picado sobre uma tela e os pinta exatamente como ali chegaram.
Aceitar o improvável como “novo normal”.
Um pouco antes da pandemia eu havia começado a pintar um elefante, tela plotada e iniciada. Em pouco tempo percebi que seria trabalho para meses. Meticuloso, preciso e que seguisse uma mesma rotina de cores e formas sempre fixas. Este não era eu!
A tela mede 80 X 60 cm e o majestoso elefante esboçado foi difícil de cobrir. Joguei um laranja, azul, violeta no que pareceria uma visão do universo. Não gostei! Mudei a tela do sentido documento para o da paisagem. Imediatamente vi um espelho. Comecei. Seria uma tempestade, uma noite movimentada muitas luzes refletidas na água. Não isto eu já havia pintado. Ainda não era isto!
Queria uma cidade sob o mar e com céu tranquilo, amanhecendo aos poucos. Tinha que ter o silêncio das primeiras luzes e dos pássaros começando a esquentar a garganta. Daí uma luz em algum apartamento, a do elefante que não conseguiu dormir, que observa triste e silencioso as sombras entrando pela janela mudando seu tamanho na medida em que brigava com a luz. Do outro, que acordou agora para para fazer seu exercício, das pessoas que trabalham nas tarefas de começar o dia.
Uma paz, um silêncio e um mar calmo após uma tempestade. Cidade desértica levantando no dia seguinte, o dia da esperança nova.
Paralelamente havia outro quadro pequeno, 30X30cm, que também não teve o resultado que eu esperava. Era uma flor contida em uma carta de amor. Começava com uma citação do Vinicius de Morais: “para tão grande amor, tão curta a vida”. Com a cobertura parcial a flor virou o cabelo dela que agora não estava mais sozinha. Sua carta de amor teve resposta ao final do quadro. Os moradores da cidade do elefante começavam a surgir. Os sobreviventes do isolamento.
Fiz o primeiro casal, pintura primitiva, bem diferente do que normalmente faço. Mas conta uma história inteira.
Cheguei à conclusão de que por mais coberta que uma obra inacabada seja, ela busca a próxima imagem para, finalmente, em um quadro acabado sentir que sua história foi contada.
Afonso D'Avila
Sobre o artista
Afonso D'Avila, mineiro, destes que tem o maior orgulho das montanhas mas que desceu para o mar e descobriu um outro infinito. Jornalista de formação, um observador do mundo. Trabalhou muitos anos com público e aprendeu a ter um olhar mais apurado. Há três anos procurou o Atelier de Sandra Filipi para aprender, as cores e as formas junto com o mar de Búzios onde mora. Continua na busca, aprendendo e caminhando sempre.