Ritos Manuais
O corpo carrega consigo um leque de possibilidades de expressão: gestos, posturas, movimentos e danças são bons exemplos. Tudo faz parte da linguagem corporal, carregada de significados que variam culturalmente.
Talvez uma das partes mais expressivas do corpo seja a mão: aquela que acaricia, acalenta, apoia, oferece, partilha... e também impõe limites: a palma à frente do braço estendido é intenção de parar algo, leitura quase global. Universal é o fato de que as mãos são ferramentas que cultivam nossas relações conosco e em nossos respectivos círculos.
Na religião, mãos são extensões e representações do sagrado:
- No candomblé, mãos treinadas lançam búzios sobre o tabuleiro para prever futuros, descobrir problemas ou anunciar bênçãos vindouras. Os orixás, divindades ancestrais, tem suas próprias danças, com gestos característicos e toques de atabaque, também próprios de cada um. Estes toques só são realizados por mãos treinadas para o trabalho: se o som abre a comunicação com a espiritualidade, a mão precisa saber abrir a porta.
- No cristianismo, a simbologia das mãos também é rica: imagens bizantinas do Cristo o trazem com a palma levantada em sinal de benção. Quando há apenas três dedos levantados, há uma alusão à fé na Santíssima Trindade. Em tempos nos quais acreditava-se que a representação completa de Deus era algo proibido, havia a Manus Dei (Mão de Deus em latim), símbolo de uma mão isolada do corpo, presente em diversas obras cristãs/judaicas.
- No islamismo, a shahada, declaração da unicidade de Alá como único deus, é acompanhada pelo dedo indicador apontado para o alto.
Em nosso contexto nas artes, as mãos executam: pincelam, medem, editam, cortam, unem, tecem ou rasgam: erguemos pequenos ou grandes universos usando as mãos. Como fotógrafo, penso na imagem com os olhos e a trago para a realidade com as mãos.
Uma observação: a criação não se vale apenas de mãos ou mesmo olhos para acontecer: alguns dos meus irmãos com deficiência nas artes criam a partir de processos particulares. Nossa existência tem diferentes possibilidades, a capacidade de adaptação do espírito humano as acompanha.
Nesta série, busquei usar parte do repertório de movimento das mãos. Pensei, inicialmente, em algo que apenas captasse movimento, mas me deparei com algumas imagens que me lembram um ritual. Por isso o título para este trabalho e o texto. Aqui, trato de experimentação. Venho de uma trajetória em que fotografei natureza e espaço urbano boa parte do tempo, mas venho me interessando pelo uso do corpo e o que ele pode dizer.
Sendo uma vivência e corpo fora de padrões, acredito que minha corporeidade possa trazer alguma perspectiva diferente para a mesa.
A você que lê e prestigia, minhas mãos unidas em agradecimento!
Fotógrafo
São Paulo - SP
Fabio Alves, natural de São Paulo, descobriu sua paixão pela fotografia explorando espaços urbanos e naturais. Inicialmente utilizando o celular, refinou seu olhar e, ao longo dos anos, fotografou a arquitetura da cidade, dominando técnicas de edição. Em 2024, com a transição para uma câmera DSLR, aproximou-se da natureza e criou imagens das quais mais se orgulha. Nas redes, adota o pseudônimo "O apanhador de cenas", refletindo sua trajetória como pessoa com deficiência em um mundo capacitista. Psicólogo e fotógrafo, vê a arte como um resgate do lúdico e uma forma de resistência e expressão.