Fragmentos do todo
Nunca tive a capacidade de enxergar o mundo como um todo. Desde criança, só consigo perceber os fragmentos, detalhes e miudezas do plano geral. Não me lembro do rosto de nenhum de meus antigos coleguinhas de infância, mas me lembro das unhas de um, da trança de outra. Não me lembro das broncas que tomei, mas me recordo das lentes dos óculos de minha mãe, que ficavam escuras quando ela ficava brava comigo. Me lembro perfeitamente da rachadura na calçada, onde ela me mandou parar e fiquei esperando um beliscão ou um tapa na bunda.
Se eu acabei de te conhecer, e não te reconhecer na rua logo depois, não me culpe. Provavelmente prestei atenção no modo como você pronuncia alguma vogal, ou a forma como sua sobrancelha se franze quando tenta lembrar alguma palavra. Vou me lembrar do botão de sua camisa, da haste de seu óculos, da forma como seus dedos se movem enquanto conversamos.
Assim transportei minha incapacidade de ver o todo para a arte. Nas colagens, os pequenos fragmentos de papel formam faróis, baleias, morros, céus e águas. Os pedacinhos coloridos de papel, que eram uma propaganda em uma revista, ou o pedacinho do bolso da camisa de alguém em uma fotografia de reportagem se tornam tijolos do meu mundo.
Não me lembro de onde saíram todos os pedaços rasgados de papel, não me lembro se era uma propaganda de pasta dente ou se era a foto de alguém. Só sei que aquele pedacinho que eu percebi no todo daquele papel, era tudo o que eu precisava para me expressar.
Giancarlo Diniz
Sobre o artista
Giancarlo Diniz, mineiro, nasceu em Ubá no ano de 1979 e ainda vive lá, onde se formou em Comunicação Social. Passeando por várias técnicas como desenho com nanquim, pintura com acrílica, técnicas mistas e materiais alternativos, encontrou a colagem e se apaixonou. Unindo a Arte Contemporânea, Pop Art à colagem, alcançou um estilo muito próprio e pessoal. Utilizando principalmente papel rasgado à primeira vista grosseiramente, alcança em suas obras vários níveis de percepção e alcança memórias afetivas do espectador. Paisagens idílicas, algumas vezes com um toque de humor, outras apenas com uma sugestão, um gatilho mental que leva o espectador a uma viagem na memória de lugares onde já esteve ou sonhou estar.